Monday, February 26, 2007

Violão volta a cena após o reinado de Mômo

Diz uma máxima que o ano no Brasil só começa depois do carnaval, aceitando-a então, podemos dizer o que ano violonístico começou bem no Rio de Janeiro, com dois dos melhores concertistas da cidade em recital solo.
No dia 22 de fevereiro, na Sala Baden Powell, o violonista Paulo Pedrassoli apresentou um recital de clássicos do repertório violonístico. Para um público em bom número - levando-se conta o longo feriado de carnaval e as muitas cinzas ainda a recolher na quinta-feira - Pedrassoli brindou os cariocas com um repertório em essência segoviano. Dois prelúdios de Bach deram início ao recital, um deles largamente tocado por Andres Segovia e bastante conhecido do público em geral, o Prelúdio BWV 1007. Seguiu-se depois um dos grandes refundadores do violão no século XX, Francisco Tárrega, também com duas obras das mais conhecidas do seu legado, Capricho Árabe e Recuerdos de L'Alhambra que com certeza arrancou suspiros dos mais saudosos. Em seguida, mais um clássico daqueles que todo mundo já ouviu algum dia, Asturias de I. Albéniz.
Seguiram-se então duas peças fora do repertório do virtuose espanhol: a primeira manteve o clima romântico que predominava até então, de outro grande nome do violão clássico: Julia Florida de Agustín Barrios, onde o intérprete carioca encantou a platéia pela sonoridade líquida e um fraseado equilibrado. A outra obra "não segoviana", foi o Ponteio do compositor carioca Arthur Kampela. Apesar de quebrar um pouco o clima nostálgico do recital, Pedrassoli nos trouxe uma obra de um compositor que conhece intimamente o violão, e que, dentro de uma linguagem harmônica contemporânea, explora de maneira conseqüente - sem novidades contudo - aspectos timbrísticos e dinâmicos do instrumento.
Para finalizar, o professor do Conservatório Brasileiro de Música, retornou a um clássico indiscutível: Heitor Villa-Lobos, primeiramente com o clima buliçoso do Prelúdio n.2 e em seguida com o vigor e o virtuosismo do Estudo n.10
De bis tivemos ainda o estudo n.6 de Francisco Mignone, compositor de grande calibre e que vem tendo sua obra sendo reconhecida também no meio violonístico.
No sábado 24 de fevereiro, tivemos o 72 Encontro de Violão da AV-RIO, com o violonista Nícolas de Souza Barros apresentando um programa de valsas e tangos de Ernesto Nazareth arranjado pelo próprio intérprete para violão de 8 cordas e a estréia brasileira da obra "Valse-Chôro"(1927) de Heitor Villa-Lobos.
Como o próprio músico fez questão de ressaltar ao longo do concerto, Nazareth é um autor singular, pela música que produziu de maneira tão autêntica e de grande inventividade. Um paralelo interessante feito pelo violonista fora com o também pianista e compositor, o espanhol Isaac Albéniz. Se obra de Albéniz é um símbolo forte do nacionalismo romântico (tardio) pela sua sincera identificação com a música tradicional da Espanha aliada a uma linguagem totalmente coerente com seu tempo histórico, a obra do brasileiro também internaliza não apenas a linguagem européia da música de concerto, mas o forte traço da música urbana brasileira que já possuía características muito particulares, especialmente na sua construção rítmica, no seu sotaque instrumental.
Nícolas de Souza Barros vai ao longo do programa aliado uma interpretação sóbria e coerente, com uma sonoridade límpida e uma preocupação especial com a pronúncia rítmica, destrinchando o valor formal e musical do repertório. Destaque especial para o belo Batuque, dedicado ao grande compositor brasileiro Henrique Oswald, Tenebroso, peça mais conhecida e sempre cativante, Improviso, excelente peça de grande beleza motívica e harmônica e que funcionou de maneira perfeitamente bem no violão e as duas peças que encerraram o concerto, Confidências, valsa de grande teor romântico e até um certo e intimísmo, e Carioca, obra que no seu gingado e fraseado elegante e malicioso resume bem o espírito do compositor.
Havia evidentemente uma grande expectativa em torno da primeira audição da Valsa-Choro (1927) de Heitor Villa-Lobos. De fato uma obra de um compositor de tal quilate sempre vai gerar grande interesse. Barros tocou bem o suficiente para que pudéssemos ter uma noção do que se trata a obra em seus aspectos formais e harmônicos. A primeira vista [audição] não parece se tratar de uma obra-prima, contudo um julgamento definitivo só os próprios violonistas e o tempo o farão.

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